Pasto em região que já foi floresta amazônica no sudeste do Pará. Foto: Marcio Isensee
Brasília (DF) – Criar mais gado em áreas menores ou já abertas é uma das alternativas para se liberar grandes extensões de terra e reduzir a pressão por mais desmatamento na Amazônia. Por sua vez, intensificar a pecuária depende de medidas como restaurar e manter a qualidade dos pastos, alternar o rebanho entre as áreas de pastagem e oferecer apoio técnico aos produtores. A conclusão é de pesquisadores ligados às universidades Estadual de Santa Catarina (Udesc) e de Chicago (Estados Unidos) que se debruçaram sobre estudos científicos e práticas em fazendas no Mato Grosso, um dos líderes em perdas de floresta nativa entre os estados amazônicos e responsável por boa parte da produção agropecuária nacional.
Essa e outras análises foram apresentadas esta semana em Brasília durante encontro promovido por entidades como o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Woods Hole Research Center e Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento (Usaid, sigla em Inglês). Os pesquisadores também compilaram uma lista de sugestões para a redução do desmatamento na Amazônia (veja quadro abaixo), como a destinação de terras a indígenas.
Multiplicar por três a quantidade de animais no pasto pode fazer a produtividade saltar de 65 para 330 quilos anuais de carne por hectare e dobrar os lucros dos produtores. Além disso, uma área com quase 16 milhões de hectares, maior do que a do Acre, seria liberada para recuperação da mata nativa, reflorestamento, agricultura e outras atividades produtivas no Mato Grosso.
Outros efeitos da concentração da pecuária são os cortes pela metade do tempo de abate dos animais e das emissões de gases que ampliam o efeito estufa e provocam o aquecimento global.
O modelo dribla o confinamento de gado e a usual pecuária extensiva, cuja média nacional de lotação é de apenas um boi por hectare de pastagem. Os investimentos feitos pelos produtores na intensificação da bovinocultura retornam em até seis anos e podem ser feitos com linhas de crédito que já existem.
Crédito do jeito certo
“linhas de crédito e de financiamento atuais, como os Planos Safra do Governo Federal, poderiam apoiar mais efetivamente a intensificação da pecuária se tiverem sua concessão vinculada a critérios para aumento da produtividade”
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O Fundo Constitucional do Centro Oeste e o Programa para Agricultura de Baixo Carbono (Programa ABC) são algumas das fontes de recursos para intensificação da pecuária elencadas pelo economista e consultor da Associação dos Criadores de Gato de Mato Grosso, Amado de Oliveira Filho. “Cuidar das pastagens é uma demanda constante dos produtores, tanto que este ano oferecemos palestras sobre intensificação nos 30 municípios que concentram a pecuária no estado. O mercado quer carne de bovinos criados no pasto e com práticas sustentáveis”, disse.
De acordo com o economista Daniel Silva, do Instituto Internacional para Sustentabilidade, linhas de crédito e de financiamento atuais, como os Planos Safra do Governo Federal, poderiam apoiar mais efetivamente a intensificação da pecuária se tiverem sua concessão vinculada a critérios para aumento da produtividade e oferecer assistência para melhorar a produção e a aplicação de recursos pelos pecuaristas. Não são necessárias novas linhas de crédito, mas um casamento dos mecanismos atuais com apoio para aumento da produtividade nas fazendas. O Programa ABC, por exemplo, tem recebido recursos anuais inferiores a 3% daqueles direcionados aos Planos Safra, e uma quantia ainda mínima é usada para reforma de pastagens”, ressaltou.
Ampliar os critérios para concessão de recursos à pecuária também é apoiado pelo diretor executivo da Amigos da Terra – Amazônia, Mauro Armelin. Para ele, seguir dando sinal verde para novas pastagens de forma pontual, sem avaliar os impactos regionais e cumulativos da produção, apenas alimenta a expansão da fronteira produtiva. “O mercado poderia ser abastecido com carnes de melhor procedência com uma moratória para a abertura de novas pastagens na Amazônia e no Cerrado, além de uma lista pública de fazendas embargadas por irregularidades ambientais, sociais ou trabalhistas”, disse.
Aplicar e monitorar rigorosamente o atendimento à legislação é outra providência indispensável para a queda do desmatamento. O chamado Novo Código Florestal, por exemplo, pode ajudar a conter a expansão das áreas produtivas nas fazendas.
“Essa lei é importante para delimitar onde se produz e onde se preserva nos imóveis rurais. Sem isso, os produtores podem seguir expandindo as áreas de produção, mesmo com aumento da produtividade”, avalia Jonas Inkotte, mestre em manejo do solo pela Udesc e um dos autores do estudo quanto à intensificação da pecuária no Mato Grosso.
Ordenar o território
“44 terras indígenas estão na fila regional de homologação e, caso isso não aconteça, o desmatamento nessas áreas nas próximas duas décadas pode chegar a 15 mil quilômetros quadrados – quase três vezes a área do Distrito Federal”
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Para conter ímpetos expansionistas da agropecuária, um outro caminho é dar um uso para os cerca de 60 milhões de hectares em terras devolutas na Amazônia, seja para conservação ou uso sustentável da floresta. Medidas como essas são essenciais para se frear o ritmo das derrubadas e reduzir conflitos fundiários.
Uma investigação conduzida por especialistas das universidades de Brasília e de Chicago, do Woods Hole Research Center (Estados Unidos) e do Ipam mostrou que criar territórios indígenas ajuda a manter o regime de chuvas e a vida de animais e plantas, e até no cumprimento de metas que o Brasil apresentou às Nações Unidas, como zerar o desmatamento ilegal na Amazônia até 2030.
Conforme o trabalho, 44 terras indígenas estão na fila regional de homologação e, caso isso não aconteça, o desmatamento nessas áreas nas próximas duas décadas pode chegar a 15 mil quilômetros quadrados – quase três vezes a área do Distrito Federal. Isso também reduziria a emissão de umidade pelo solo e pela floresta, que provoca chuvas pelo país, em uma quantidade suficiente para irrigar 3 mil quilômetros quadrados de soja.
“Se essas áreas forem desmatadas, serão prejudicadas funções vitais da floresta, como regular o clima e manter o regime de chuvas, essencial para a produção no campo. Os fazendeiros têm que olhar a floresta em pé como um investimento”, alertou o doutor em Ecologia pela Universidade de Campinas (SP) e pesquisador sênior do Ipam, Paulo Moutinho.
As taxas oficiais de perdas de floresta tropical caíram desde 2004 no Brasil, passando de quase 28 mil quilômetros quadrados naquele ano para 4.500 quilômetros quadrados em 2012. Nos anos seguintes, o ritmo do desmatamento na Amazônia voltou a crescer.
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