Cuiabá (MT) – O grupo Carrefour, segundo maior varejista de alimentos do Brasil, formalizou, nesta quinta-feira (25), o compromisso de desenvolver ações com vistas ao desmatamento zero. Uma das medidas será o bloqueio à compra da carne produzida em áreas desmatadas ilegalmente. A identificação ocorrerá através de um sistema de monitoramento que apontará produtores que burlam normas ambientais e trabalhistas como, por exemplo, produzir em terra indígena, áreas protegidas, ou utilizar trabalho análogo ao escravo.
Denominada “Pecuária Sustentável”, a plataforma foi anunciada no Palácio Paiaguás, em Cuiabá, sede do governo de Mato Grosso, escolhido para mostrar que o Carrefour e a atual administração do estado estão aderindo a compromissos semelhantes.
“Ficamos sabendo que o governo de Mato Grosso vem desenvolvendo ações muito parecidas com as que pretendíamos implementar. Nos reunimos com o governador Pedro Taques para saber mais detalhes e assim foi firmada a parceria e decidido que lançaríamos o programa aqui”, afirmou Paulo Pianez, diretor de Sustentabilidade e Responsabilidade Social do Grupo Carrefour.
Entre as ações a que ele se refere estão o Produzir, Conversar e Incluir (PCI), plano firmado pelo governo de Mato Grosso junto a ONGs e instituições públicas e privadas durante a 21ª Conferência do Clima (COP 21), ocorrida no ano passado em Paris, que pretende reduzir o desmatamento ilegal a zero até 2020, além de restaurar 2,9 milhões de hectares de florestas até 2030.
O Instituto Mato-grossense da Carne (Imac), criado este ano, foi lembrado por Taques como outro aliado à meta de acabar com o desmatamento ilegal. Entre as finalidades do Imac está assegurar a rastreabilidade da carne e criar um selo que garanta a qualidade do produto e conformidade com as leis.
“Em Mato Grosso, 60% (540 mil km²) do território é preservado. Podemos produzir alimento, portanto, em 40% do território. Mas não adianta só produzir muito se não conservarmos também. Temos 16 milhões de hectares de pastagens de baixa produtividade e em seis milhões podemos aumentar nossa produção agrícola, sem derrubar uma árvore a mais”, disse Taques.
Fatal rastrear desde o início da cadeia
O monitoramento que passa a vigorar no Grupo Carrefour atingirá 22 fornecedores de carne da rede em todo o Brasil, dos quais seis estão em território amazônico. “A iniciativa, na verdade, possui um caráter muito mais educativo do que punitivo, tendo em vista que os nossos fornecedores têm atendido aos requisitos da boa produção”, afirmou Pianez.
Segundo ele, o desafio agora é ampliar o rastreamento para a etapa inicial do processo, ou seja, para as fazendas, pequenas e grandes, que criam o bezerro e o fornecem para as propriedades onde o animal é engordado. O maior obstáculo para chegar a esse objetivo é a logística, pois são muitas as fazendas envolvidas.
Pianez também admitiu que a plataforma de monitoramento não permite que sejam detectadas práticas criminosas como a “lavagem de gado” – quando animais provenientes de áreas que burlam as leis são vendidos para fazendas legais, as quais conseguem vendê-los sem entraves aos frigoríficos.
“O monitoramento é um controle a mais que teremos, e qualquer forma de controle que possa ajudar na identificação de irregularidades já contribui para, se não resolver, minimizar o problema”, defendeu Pianez.
Daniel Azeredo, procurador do Ministério Público Federal do Pará, foi um dos principais responsáveis pela formalização de um acordo que obrigou grandes frigoríficos que atuam na Amazônia a fiscalizar desvios, como desmatamento ilegal, nas propriedades de engorda, que fornecem o gado para abate. Ele explicou que sem rastreamento junto às chamadas fazendas de cria o problema não pode ser totalmente resolvido.
“Nós só vamos ter uma pecuária livre do desmate ilegal quando conseguirmos monitorar também o comércio indireto, de fazenda para fazenda. Há algumas ferramentas que já estão sendo pensadas para permitir esse controle, como o cadastro ambiental rural. A grande questão é como fazê-lo”.
Pecuária na mira do desmate
Com 29 milhões e 230 mil cabeças de gado, Mato Grosso, único estado do país a deter em seu território três biomas distintos (Cerrado, Pantanal e Amazônia), é o possuidor do maior rebanho bovino do Brasil. Entidades ou organizações não governamentais ligadas à defesa do meio ambiente, como o Greenpeace, apontam a pecuária como a principal atividade responsável pelo desmatamento ilegal no país. De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), na Amazônia, 60% do total das florestas derrubadas são utilizadas como áreas de pastagem.
A representante do Greenpeace da Campanha da Amazônia, Adriana Charoux, classificou o atual índice de desmatamento na região como inaceitável, mesmo tendo caído de 20 mil km²/ano para os atuais 5 mil km²/ano. Destacou, porém, a relevância de medidas como a adotada pelo Grupo Carrefour, para atingir o objetivo de alcançar o desmatamento zero.
“Essa iniciativa do Grupo Carrefour, que segue o exemplo de outros dois gigantes varejistas (Pão de Açúcar e Walmart) mostra que esse papo de desmatamento zero não é simplesmente coisa de hippie. É um desafio que, encarado de frente, pode sim render bons frutos”, disse Charoux.
Para Daniel Azeredo, a união entre agentes públicos e privados é o único caminho. “Nenhum ator público ou privado, sozinho, consegue atuar numa questão tão complexa quanto o desmatamento. É um tema que envolve aspectos sociais, econômicos e culturais e onde se precisa de todo mundo com o mesmo objetivo, adotando ações convergentes, para ter um resultado melhor”.
O evento contou ainda com a presença do Ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho; do Diretor Geral Adjunto do Grupo Carrefour, Jerôme Bódier e do presidente do Grupo Carrefour Brasil, Charles Desmartis.
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Em direção ao desmatamento zero
Esta reportagem faz parte do projeto que busca melhorar a eficiência dos acordos da carne e da soja, realizado em parceria com o Imazon e apoio da Gordon and Betty Moore Foundation
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